Crise só está escamoteada, afirma Rabello de Castro

segunda-feira, 14 de setembro de 2009


Economista incensado por várias correntes de pensamento, Paulo Rabello de Castro continua cético quanto à conjuntura mundial: acredita que a crise foi apenas escamoteada e camuflada para que os políticos possam dizer que a recuperação está à vista, uma prática que tende a acirrar-se já no próximo trimestre, quando as comparações estatísticas forem feitas a partir dos números negativos registrados no fim de 2008.
Presidente e fundador da SR Rating, única agencia brasileira de classificação de risco, Rabello de Castro entende que o governo americano continua refém das grandes instituições financeiras. Mesmo evitando usar a palavra controle, que considera maldita no contexto, considera preocupante a valorização cambial que, a seu ver, ao atrair especuladores internacionais, pode tornar mais lento o desenvolvimento brasileiro.
Um dos expoentes brasileiros da Escola de Chicago, onde concluiu doutorado, o economista teme que o processo de recuperação da crise, que prevê como longo, ainda possa ser entremeado por turbulências e eventuais terremotos de intensidade tão grande quanto os que aconteceram há um ano.
No Brasil, pouco afetado por problemas de alavancagem de crédito, Rabello de Castro identifica a vantagem de o País ter commodities demandadas pelo fantástico crescimento da China. Confira trechos de sua entrevista ao Jornal do Brasil:
Há um ano, o senhor previu uma crise de longa duração. Algo mudou, de lá para cá?
A crise continua bem, obrigado. Apenas está escamoteada porque os políticos precisam dizer que a recuperação está à vista.
Foi suprida a necessidade de melhor regulação do sistema financeiro?
Muito pouco foi feito quanto à necessidade de mudar as avaliações de risco. Tampouco foram anunciadas medidas práticas que colocassem fim à capacidade destrutiva das decisões de instituições “grandes demais para quebrar”. Considero que o governo americano continua refém das instituições financeiras de grande porte.
O senhor chegou a dizer que o pacote americano apenas pedalaria a crise para a frente. Isto se confirmou?
A pedalada consistiu na enorme injeção de liquidez que estimulou especulação nos mercados de bolsa e de commodities, dando munição para a mídia ficar alardeando recuperações pontuais como demonstrações inequívocas de que tudo vai bem. Isto é um contrassenso.
Isto tem algo a ver com manipulação de dados?
Sem dúvida. A manipulação já começa com comparações de variações percentuais de períodos idênticos de 2008 e 2009. Como já no próximo trimestre a base de comparação vão ser os números negativos do fim do ano passado, serão fortalecidos os argumentos otimistas. O que não significa que tenha havido recuperação dos níveis absolutos de produção. Pelo contrário, como pode se ver todos os dias, pois, especialmente nos EUA, não há variação positiva de demanda.
E o Brasil, como está?
Temos a vantagem de não termos sido apanhados de frente pela crise e a vantagem circunstancial do fantástico crescimento da China, demandando commodities que o país tem. Daí termos um ganho que tem pagado boa parte da conta externa, gerando a valorização cambial.
Esta valorização é um risco? Já há até quem fale de necessidade de controle de câmbio e da entrada de capitais…
É claro que há risco. Mas o Brasil trabalha cronicamente com o câmbio valorizado. Só discordo da palavra “controle” pelo que de odioso ela embute. O Brasil tem é um problema de desajuste de fluxo financeiro e da taxa de juros, que já deveria estar mais baixa. Com o nível atual, os empresários ficam tímidos para investir e isso atrai especuladores do exterior para ganho na arbitragem dos juros. O que só pode tornar nosso desenvolvimento mais lento.
Qual o desenvolvimento provável de tudo isso?
A economia mundial vai demorar bastante tempo para se recuperar. É uma questão estrutural e poderemos ter surpresas nesse quadro, que não é livre de terremotos de intensidade tão grande quanto a de um ano atrás. No Brasil, a sucessão presidencial tem a vantagem de renovar o debate sobre temas fundamentais, como a reforma tributária.

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