Conseguiram. Transformaram campanha eleitoral em guerra religiosa. Em plena cerimônia religiosa celebrante é desacatado. Políticos se enfurecem. Panfletos são distribuídos.
Há tantos temas a serem abordados e, no entanto, assuntos de foro íntimo passaram a ser tratados como mensagens coletivas. As religiões informam a vida das pessoas.
Estas, a seu turno, por seu comportamento na sociedade, apontam para a excelência desta ou daquela confissão. Tratar as múltiplas crenças como inimigas entre si é criar conflitos indesejáveis.
Os brasileiros sempre buscaram a paz entre os vários credos. É traço histórico que vem desde nossa primeira Constituição, a de 1824. Agora, marqueteiros desavisados ferem nossos valores políticos.
É imperdoável o que vem ocorrendo. Viola os mais profundos sentimentos nacionais amalgamados durante séculos. Todos os participantes do pleito eleitoral, neste segundo turno, deveriam tomar uma única postura.
Declarar, em conjunto, que respeitam todas as crenças e posições doutrinárias. Apontar que qualquer mensagem contra o respeito ao outro é deletéria e contra a nação.
Há temas que devem ficar a salvo das emoções do cotidiano e, particularmente, dos debates eleitorais. Esses necessitam de ambiente de mútua compreensão do pensamento do outro.
Falar de aborto com paixão verbal sem limites é violência contra todas as mulheres e pessoas razoavelmente conscientes. Fere a intimidade mais profunda das pessoas.
O aborto é uma violência. Ninguém em sã consciência é partidário de sua prática. A vida, no entanto, sujeita as pessoas às mais estranhas circunstâncias e estas necessitam ser entendidas com razoabilidade. O presente debate saiu dos limites do razoável. Atingiu um fundamentalismo ingênuo, mas perverso. Todos os fundamentalismos são execráveis. Retiram a capacidade de pensar das pessoas.
Os liberais - os verdadeiros liberais - sabem que em todas as latitudes, onde foram excluídos os princípios iluministas, há uma violência física ou moral contra o livre pensamento.
A atual campanha eleitoral - lamentavelmente - atingiu espaços fundamentalistas, como nunca ocorrera nos comícios eleitorais após a democratização.
Os mecanismos democráticos não podem servir de caminho indesejável para dividir cidadãos. Ao contrário, a democracia, ensinando o respeito ao outro, exige compostura no seu exercício.
Os eleitores, certamente, saberão examinar todos os contornos destes últimos meses e, na hora de seu voto, afastará as más mensagens e as deformações das exposições de ambos os candidatos.
O voto deve ser conferido a programas partidários e exposições temáticas dos respectivos candidatos. As mensagens extravagantes podem ser ouvidas, mas não levadas em consideração.
Elas pertencem a outro campo, àquele do foro intimo de cada cidadão e este não deve ser violado pelos interesseiros de ocasião. A humanidade já sofre - e muito - por situações como a atual.
Voltar ao passado distante é esquecer as grandes lições - sobre a tolerância religiosa - expostas em tempos remotos por personalidades qualificadas do Ocidente.
Envergonha a cultura brasileira quem age sem freios em campanhas eleitorais. Mostra desconhecer os princípios da democracia e, assim, não pode ser respeitado no certame eleitoral.
Faltam poucos dias para o segundo turno eleitoral. Espera-se um reequilíbrio salutar nos termos da presente campanha. É anseio da cidadania.
Cláudio Lembo é advogado e professor universitário. Foi vice-governador do Estado de São Paulo de 2003 a março de 2006, quando assumiu como governador.
Fale com Cláudio Lembo: claudio.lembo@terra.com.br
Conseguiram Transformaram campanha eleitoral em guerra religiosa
segunda-feira, 18 de outubro de 2010
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