Primeiro veio a crise imobiliária. Depois a derrocada do sistema financeiro. E agora, uma dívida pública de crescimento vertiginoso está ameaçando países inteiros. O famoso economista Nouriel Roubini fala a “Der Spiegel” que mais crises virão e acabarão antes que os líderes mundiais cheguem a um acordo quanto a uma reforma de verdade. Ele afirma que uma fragmentação dos grandes bancos seria uma boa medida inicial.
Spiegel: Professor Roubini, você protagoniza um papel secundário na continuação do filme “Wall Street”. Que personagem você estará representando?
Roubini: Eu estarei representando a mim mesmo. Mas é apenas um pequeno papel. Há uma cena logo depois do colapso do Lehman na qual eu sou entrevistado como o “Doutor Fatalidade”, preocupado com o sistema financeiro global.
Spiegel: Você também atuou como consultor de Oliver Stone, o diretor cinematográfico?
Roubini: Eu não fui um consultor formal. Eu apenas o ajudei com algumas dicas. Nós nos encontramos em algumas ocasiões e ele me fez perguntas a respeito da crise financeira. Ele também participou de um evento social com clientes da minha firma. Stone desejava conhecer gerentes de fundos de hedge. Eu acabei protagonizando de forma bem acidental o papel de “Doutor Fatalidade” no filme.
Spiegel: Você ganhou esse apelido, é claro, porque estava prevendo a crise financeira em um momento em que muitos outros economistas estavam cheios de otimismo. Você ainda se encontra pessimista quanto ao futuro da economia global?
Roubini: Antes de mais nada, eu não sou um pessimista profissional. Eu nem sempre sou negativo em relação ao futuro. O que desejo é avaliar a situação corretamente. Mas quando eu olho para o quadro econômico mundial neste momento, ainda vejo muitas nuvens negras no horizonte.
Spiegel: Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), a atividade econômica está aumentando novamente, e há previsões de crescimento de 4% para este ano. Isso não seria um motivo para otimismo?
Roubini: Eu sou um indivíduo realista. Eu só consigo enxergar alguns poucos pontos claros em alguns países como China, Índia e Brasil. Mas, e quanto ao resto? A recuperação econômica dos Estados Unidos tem sido anêmica, o Japão parece estar em coma e a Europa está em apuros. O continente europeu é vulnerável a uma recaída recessiva. Mesmo antes da crise grega, o panorama era bem moderado, mas agora o crescimento econômico na zona do euro é de quase zero.
Spiegel: O que você pensa a respeito dos perigos representados pela Grécia?
Roubini: Atualmente os mercados estão bastante preocupados com a Grécia, mas isso é apenas a ponta do iceberg. Cada vez mais, os vigilantes dos mercados de títulos têm despertado para países como Reino Unido e Irlanda. Até mesmo os Estados Unidos e o Japão enfrentam problemas devido aos seus enormes déficits orçamentários. Talvez não neste ano, mas mais cedo ou mais tarde. Nos Estados Unidos, Estados como Califórnia, Nevada, Arizona, Nova York e Flórida têm imensos problemas fiscais. Os déficits orçamentários cada vez maiores e as enormes dívidas governamentais são de fato o que mais me preocupa.
Spiegel: A iniciativa do FMI e da União Europeia de ajudar a Grécia com 110 bilhões de euros (R$ 249,8 bilhões) foi de fato a coisa certa a se fazer?
Roubini: Isso significa apenas ir chutando a lata pela estrada durante mais um ano. Eu temo que a Grécia, muito provavelmente, não esteja apenas destituída de liquidez, mas que o país se encontre de fato insolvente. E fornecer dinheiro a um país insolvente e obrigá-lo a implementar cortes dolorosos não resolverá a situação. Mesmo se os impostos forem aumentados e os gastos cortados, a Grécia não ficará necessariamente mais competitiva. Ao contrário, a produção do país poderá cair, o desemprego poderá subir e fatias de mercado serão perdidas. Nós precisamos de um Plano B.
Spiegel: E como seria um Plano B?
Roubini: É necessário começar com uma reestruturação preventiva da dívida. Temos que encontrar uma solução ordenada para devedores e credores. E nós precisamos também implementar ajustes fiscais para outros países da zona do euro como Portugal e Espanha.
Spiegel: Você acha que o governo alemão concordaria com isso? Os bancos alemães teriam que desembolsar novamente bilhões de euros.
Roubini: De fato, mais de 300 bilhões de euros (R$ 682,4 bilhões) da dívida pública da Grécia encontram-se nas mãos de não residentes; em sua maioria instituições financeiras da Alemanha, da França e da Suíça. Elas terão que abrir mão de uma parte dessa dívida. Muito tempo já foi perdido ignorando a crise grega. Sem tal Plano B, se a Grécia desmoronar de uma forma desordenada, o efeito dominó que atingirá a Espanha, Portugal e outros países da zona do euro poderá ser muito rápido e perigoso. Cedo ou tarde, isso levaria a uma destruição da união monetária.
Spiegel: A chanceler alemã Angela Merkel piorou a situação ao não reagir com rapidez suficiente à crise?
Roubini: Sim, a União Europeia desperdiçou meses preciosos para a criação de um pacote de ajuda à Grécia em parte devido à resistência política alemã a tal pacote. A política doméstica alemã e o crescente ceticismo quanto à união monetária provocaram a uma resposta política atrasada que prejudicou as tentativas de conter a crise grega e de impedir que ela infectasse outros países da zona do euro.
Spiegel: A união monetária europeia foi um erro?
Roubini: Eu não iria tão longe. Mas permitir que tantos países ingressassem tão cedo na união pode ter sido um erro. Um núcleo menor de países que fossem economicamente mais homogêneos, mais sólidos sob o aspecto fiscal e comprometidos com reformas estruturais teria resultado em uma união monetária de maior sucesso. O problema é que, depois que um determinado país entra, não há como ele sair sem provocar muito estrago.
Spiegel: Atualmente, há uma crise de dívida. Antes era uma crise bancária. E antes desta tivemos uma crise imobiliária. Nós devemos nos habituar a sermos atingidos constantemente por novas crises?
Roubini: Temo que sim. No meu novo livro, eu demonstro que as crises fazem parte do DNA do capitalismo. Elas não são a exceção, mas sim a regra. Muitos elementos vitais para o capitalismo, como a inovação e a disposição de assumir riscos, também desencadeiam frequentes colapsos. E aquilo pelo qual nós acabamos de passar poderá ressurgir de forma muito pior no futuro.
Spiegel: Do jeito que você fala as crises parecem ser inevitáveis.
Roubini: Elas não são inevitáveis. Mas se você examinar a história, verá padrões se repetirem – tais como políticas monetárias excessivamente flexíveis, vulnerabilidades alavancadas e regulações fracas. E nós veremos tudo isso de novo. Provavelmente, teremos ainda mais crises no futuro.
“Temos que matar a fera de fome”
Spiegel: Existe um roteiro para as crises?
Roubini: Nenhuma crise é idêntica, mas muitas delas são similares. Existe um estágio de boom e de bolha antes da fase do estouro e do colapso. Nós presenciamos o valor de certos ativos como imóveis e equity subirem, e a seguir usamos esses ativos como garantias para contrairmos empréstimos de forma exagerada e, portanto, temos um acúmulo de alavancagem no sistema financeiro. E, a seguir, assim que a bolha estoura, o valor dos ativos cai, e as pessoas ficam sobrecarregadas com dívidas enormes que são incapazes de saldar.
Spiegel: Mas como reconhecer uma bolha?
Roubini: É difícil. Eu sou tomado de suspeição quando alguém me diz que desta vez é diferente, que uma determinada inovação modificará radicalmente a maneira como nós vivemos e trabalhamos e que ela provocará um aumento maciço de longo prazo da riqueza real. Durante a bolha de tecnologia, havia pessoas escrevendo livros com títulos como “O Dow Jones a 36.000”.
Spiegel: Atualmente, muito dinheiro está sendo dirigido para commodities como petróleo e cobre. Será essa a nossa próxima bolha?
Roubini: Possivelmente. Sob o meu ponto de vista, parece que parte desse fenômeno não se deve à demanda, mas sim a commodities em busca de liquidez. Esta é uma das minhas maiores preocupações no momento: nós decidimos salvar a economia global inundando o mundo com uma quantidade maciça de liquidez. Agora corremos o risco de cometer o mesmo erro como durante o último ciclo.
Spiegel: Mas qual teria sido a alternativa a programas de estímulo e à intervenção dos bancos centrais? Deixar as coisas por conta do mercado poderia ter jogado o mundo em uma depressão.
Roubini: É verdade. Mas temos que ter cuidado para não seguirmos essa rota por muito tempo. Caso contrário, corremos o risco de criarmos bancos e companhias zumbis que são mantidas artificialmente vivas. Além disso, veja o que está ocorrendo com a indústria bancária. Nós começamos com um problema do tipo “eles são grandes demais para fracassar”, e parte da resposta política à crise constituiu-se em ainda mais consolidação financeira. O JP Morgan assumiu o controle sobre o Bear Stearns e o Bank of America sobre o Merrill Lynch. O que temos agora são instituições financeiras que são ainda maiores. Essas instituições, mais ainda do que antes, sabem que se fizerem algo de perigoso, se agirem de forma descuidada, serão novamente resgatadas pelo governo.
Spiegel: As instituições consideradas grandes demais para fracassarem deveriam ser divididas?
Roubini: Por que não? Temos que matar a fera de fome. A abordagem oficial tem sido criar um regime de resolução para uma amenização ordeira da crise. A minha preocupação é a seguinte: como é que se vai fechar, de forma ordeira, uma instituição financeira que opera globalmente como o Goldman Sachs ou o Morgan Stanley em meio ao calor da próxima crise? Isso é demasiadamente arriscado, e no fim tudo poderá se resumir novamente ao seguinte: vamos salvá-las novamente com dinheiro público.
Spiegel: Mas como é que se determina quem é grande demais para fracassar?
Roubini: Se eu tiver que pensar em quais são os parâmetros que definem uma instituição sistemicamente importante, certamente o tamanho dos ativos e das dívidas como parcela do sistema financeiro e do produto interno bruto é um fator relevante. Certamente a quantidade de alavancagem e de dívidas dentro e fora do balanço geral é importante. E também é importante determinar até que ponto uma determinada instituição faz parte do sistema de compensasões e pagamentos. No fim das contas, não é muito difícil determinar quais são essas instituições.
Spiegel: O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, implementou planos para uma reforma financeira, incluindo a chamada regra Volcker e outras regulamentações para limitar o tamanho dos bancos. Seria necessária uma regulamentação mais drástica?
Roubini: Esse é um bom começo, mas o meu pensamento inclina-se para uma direção mais radical. O modelo financeiro de supermercado obviamente não funcionou. Uma instituição na qual se tem, em um único bloco, banco comercial, banco de investimentos, fundos de hedge, seguros e vários outros serviços financeiros torna-se muito complexa para ser administrada. Nenhum diretor executivo é capaz de monitorar efetivamente algo como isso. Assim, tudo isso precisa ser fragmentado em pedaços. Se tivermos muitas instituições diferentes encarregadas de tipos diferentes de serviços financeiros, nenhuma delas será sistemicamente importante.
Spiegel: Há quase cem anos, o governo dos Estados Unidos fragmentou a Standard Oil – e o mundo acabou ficando com pedaços que se tornaram maiores do que o bloco original.
Roubini: O que eu estou propondo são restrições, como a lei Glass-Steagall, ao sistema bancário comercial e de investimentos, regulamentações que já existiam até cerca de dez anos atrás. Elas funcionaram bem.
Spiegel: Que reformas financeiras adicionais você considera indispensáveis?
Roubini: Os mercados de derivativos precisam tornar-se mais transparentes, e a securitização tem que ser regulamentada de maneira mais estrita. As instituições financeiras precisam modificar os seus sistemas de compensação de uma maneira que elas não percam de vista os interesses de longo prazo. E as agências de classificação de risco precisam ser obrigadas a modificar o seu modelo empresarial, de maneira que os conflitos de interesses não sejam mais um problema.
Spiegel: Infelizmente, atualmente parece utópico aplicar todas essas reformas amplas.
Roubini: Eu não espero que as minhas ideias sejam implementadas durante esta crise. Nós talvez tenhamos que esperar pela próxima crise, até que propostas mais radicais sejam cogitadas. O meu temor é que se nós não criarmos um sistema no qual essas crises ocorram com menos frequência, a reação que temos presenciado recentemente contra as economias orientadas pelo mercado, contra as reformas, contra a globalização, contra o livre comércio, possa tornar-se mais intensa da próxima vez. A lição é que, se houver uma outra crise, ela será ainda mais virulenta do que a última, causará ainda mais estragos e será mais cara, não importa sob que ótica ela seja avaliada: renda, empregos, riqueza, custos fiscais. Nós simplesmente não podemos suportar tal coisa.
Spiegel: As suas propostas de reforma são derivadas da crise atual. Elas teriam resultado também no sentido de evitar qualquer tipo de crise financeira futura?
Roubini: Nós não podemos fazer com que as crises desapareçam inteiramente. Mas se pudéssemos torná-las menos frequentes, menos virulentas, isso já seria um sucesso.
Nouriel Roubini é considerado o profeta da crise financeira. Quatro anos atrás, ele foi um dos primeiros a alertar que os bancos e as economias nacionais poderiam se ver em apuros. Roubini, 52, nasceu em Istambul, em uma família judaico-iraniana, e foi criado no Irã, em Israel e na Itália. Desde 1995, ele é professor de economia da Universidade de Nova York. Além disso, ele opera uma empresa de consultoria que tem 80 funcionários, e que faz análises financeiras para clientes da indústria de finanças.
Nota do editor: Essa entrevista foi feita antes que a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional tivessem concordado em criar um pacote de 750 bilhões de euros (R$ 1,7 trilhão) para proteger o euro nas primeiras horas da manhã da segunda-feira.
Tradução/FONTE: UOL
Spiegel: Professor Roubini, você protagoniza um papel secundário na continuação do filme “Wall Street”. Que personagem você estará representando?
Roubini: Eu estarei representando a mim mesmo. Mas é apenas um pequeno papel. Há uma cena logo depois do colapso do Lehman na qual eu sou entrevistado como o “Doutor Fatalidade”, preocupado com o sistema financeiro global.
Spiegel: Você também atuou como consultor de Oliver Stone, o diretor cinematográfico?
Roubini: Eu não fui um consultor formal. Eu apenas o ajudei com algumas dicas. Nós nos encontramos em algumas ocasiões e ele me fez perguntas a respeito da crise financeira. Ele também participou de um evento social com clientes da minha firma. Stone desejava conhecer gerentes de fundos de hedge. Eu acabei protagonizando de forma bem acidental o papel de “Doutor Fatalidade” no filme.
Spiegel: Você ganhou esse apelido, é claro, porque estava prevendo a crise financeira em um momento em que muitos outros economistas estavam cheios de otimismo. Você ainda se encontra pessimista quanto ao futuro da economia global?
Roubini: Antes de mais nada, eu não sou um pessimista profissional. Eu nem sempre sou negativo em relação ao futuro. O que desejo é avaliar a situação corretamente. Mas quando eu olho para o quadro econômico mundial neste momento, ainda vejo muitas nuvens negras no horizonte.
Spiegel: Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), a atividade econômica está aumentando novamente, e há previsões de crescimento de 4% para este ano. Isso não seria um motivo para otimismo?
Roubini: Eu sou um indivíduo realista. Eu só consigo enxergar alguns poucos pontos claros em alguns países como China, Índia e Brasil. Mas, e quanto ao resto? A recuperação econômica dos Estados Unidos tem sido anêmica, o Japão parece estar em coma e a Europa está em apuros. O continente europeu é vulnerável a uma recaída recessiva. Mesmo antes da crise grega, o panorama era bem moderado, mas agora o crescimento econômico na zona do euro é de quase zero.
Spiegel: O que você pensa a respeito dos perigos representados pela Grécia?
Roubini: Atualmente os mercados estão bastante preocupados com a Grécia, mas isso é apenas a ponta do iceberg. Cada vez mais, os vigilantes dos mercados de títulos têm despertado para países como Reino Unido e Irlanda. Até mesmo os Estados Unidos e o Japão enfrentam problemas devido aos seus enormes déficits orçamentários. Talvez não neste ano, mas mais cedo ou mais tarde. Nos Estados Unidos, Estados como Califórnia, Nevada, Arizona, Nova York e Flórida têm imensos problemas fiscais. Os déficits orçamentários cada vez maiores e as enormes dívidas governamentais são de fato o que mais me preocupa.
Spiegel: A iniciativa do FMI e da União Europeia de ajudar a Grécia com 110 bilhões de euros (R$ 249,8 bilhões) foi de fato a coisa certa a se fazer?
Roubini: Isso significa apenas ir chutando a lata pela estrada durante mais um ano. Eu temo que a Grécia, muito provavelmente, não esteja apenas destituída de liquidez, mas que o país se encontre de fato insolvente. E fornecer dinheiro a um país insolvente e obrigá-lo a implementar cortes dolorosos não resolverá a situação. Mesmo se os impostos forem aumentados e os gastos cortados, a Grécia não ficará necessariamente mais competitiva. Ao contrário, a produção do país poderá cair, o desemprego poderá subir e fatias de mercado serão perdidas. Nós precisamos de um Plano B.
Spiegel: E como seria um Plano B?
Roubini: É necessário começar com uma reestruturação preventiva da dívida. Temos que encontrar uma solução ordenada para devedores e credores. E nós precisamos também implementar ajustes fiscais para outros países da zona do euro como Portugal e Espanha.
Spiegel: Você acha que o governo alemão concordaria com isso? Os bancos alemães teriam que desembolsar novamente bilhões de euros.
Roubini: De fato, mais de 300 bilhões de euros (R$ 682,4 bilhões) da dívida pública da Grécia encontram-se nas mãos de não residentes; em sua maioria instituições financeiras da Alemanha, da França e da Suíça. Elas terão que abrir mão de uma parte dessa dívida. Muito tempo já foi perdido ignorando a crise grega. Sem tal Plano B, se a Grécia desmoronar de uma forma desordenada, o efeito dominó que atingirá a Espanha, Portugal e outros países da zona do euro poderá ser muito rápido e perigoso. Cedo ou tarde, isso levaria a uma destruição da união monetária.
Spiegel: A chanceler alemã Angela Merkel piorou a situação ao não reagir com rapidez suficiente à crise?
Roubini: Sim, a União Europeia desperdiçou meses preciosos para a criação de um pacote de ajuda à Grécia em parte devido à resistência política alemã a tal pacote. A política doméstica alemã e o crescente ceticismo quanto à união monetária provocaram a uma resposta política atrasada que prejudicou as tentativas de conter a crise grega e de impedir que ela infectasse outros países da zona do euro.
Spiegel: A união monetária europeia foi um erro?
Roubini: Eu não iria tão longe. Mas permitir que tantos países ingressassem tão cedo na união pode ter sido um erro. Um núcleo menor de países que fossem economicamente mais homogêneos, mais sólidos sob o aspecto fiscal e comprometidos com reformas estruturais teria resultado em uma união monetária de maior sucesso. O problema é que, depois que um determinado país entra, não há como ele sair sem provocar muito estrago.
Spiegel: Atualmente, há uma crise de dívida. Antes era uma crise bancária. E antes desta tivemos uma crise imobiliária. Nós devemos nos habituar a sermos atingidos constantemente por novas crises?
Roubini: Temo que sim. No meu novo livro, eu demonstro que as crises fazem parte do DNA do capitalismo. Elas não são a exceção, mas sim a regra. Muitos elementos vitais para o capitalismo, como a inovação e a disposição de assumir riscos, também desencadeiam frequentes colapsos. E aquilo pelo qual nós acabamos de passar poderá ressurgir de forma muito pior no futuro.
Spiegel: Do jeito que você fala as crises parecem ser inevitáveis.
Roubini: Elas não são inevitáveis. Mas se você examinar a história, verá padrões se repetirem – tais como políticas monetárias excessivamente flexíveis, vulnerabilidades alavancadas e regulações fracas. E nós veremos tudo isso de novo. Provavelmente, teremos ainda mais crises no futuro.
“Temos que matar a fera de fome”
Spiegel: Existe um roteiro para as crises?
Roubini: Nenhuma crise é idêntica, mas muitas delas são similares. Existe um estágio de boom e de bolha antes da fase do estouro e do colapso. Nós presenciamos o valor de certos ativos como imóveis e equity subirem, e a seguir usamos esses ativos como garantias para contrairmos empréstimos de forma exagerada e, portanto, temos um acúmulo de alavancagem no sistema financeiro. E, a seguir, assim que a bolha estoura, o valor dos ativos cai, e as pessoas ficam sobrecarregadas com dívidas enormes que são incapazes de saldar.
Spiegel: Mas como reconhecer uma bolha?
Roubini: É difícil. Eu sou tomado de suspeição quando alguém me diz que desta vez é diferente, que uma determinada inovação modificará radicalmente a maneira como nós vivemos e trabalhamos e que ela provocará um aumento maciço de longo prazo da riqueza real. Durante a bolha de tecnologia, havia pessoas escrevendo livros com títulos como “O Dow Jones a 36.000”.
Spiegel: Atualmente, muito dinheiro está sendo dirigido para commodities como petróleo e cobre. Será essa a nossa próxima bolha?
Roubini: Possivelmente. Sob o meu ponto de vista, parece que parte desse fenômeno não se deve à demanda, mas sim a commodities em busca de liquidez. Esta é uma das minhas maiores preocupações no momento: nós decidimos salvar a economia global inundando o mundo com uma quantidade maciça de liquidez. Agora corremos o risco de cometer o mesmo erro como durante o último ciclo.
Spiegel: Mas qual teria sido a alternativa a programas de estímulo e à intervenção dos bancos centrais? Deixar as coisas por conta do mercado poderia ter jogado o mundo em uma depressão.
Roubini: É verdade. Mas temos que ter cuidado para não seguirmos essa rota por muito tempo. Caso contrário, corremos o risco de criarmos bancos e companhias zumbis que são mantidas artificialmente vivas. Além disso, veja o que está ocorrendo com a indústria bancária. Nós começamos com um problema do tipo “eles são grandes demais para fracassar”, e parte da resposta política à crise constituiu-se em ainda mais consolidação financeira. O JP Morgan assumiu o controle sobre o Bear Stearns e o Bank of America sobre o Merrill Lynch. O que temos agora são instituições financeiras que são ainda maiores. Essas instituições, mais ainda do que antes, sabem que se fizerem algo de perigoso, se agirem de forma descuidada, serão novamente resgatadas pelo governo.
Spiegel: As instituições consideradas grandes demais para fracassarem deveriam ser divididas?
Roubini: Por que não? Temos que matar a fera de fome. A abordagem oficial tem sido criar um regime de resolução para uma amenização ordeira da crise. A minha preocupação é a seguinte: como é que se vai fechar, de forma ordeira, uma instituição financeira que opera globalmente como o Goldman Sachs ou o Morgan Stanley em meio ao calor da próxima crise? Isso é demasiadamente arriscado, e no fim tudo poderá se resumir novamente ao seguinte: vamos salvá-las novamente com dinheiro público.
Spiegel: Mas como é que se determina quem é grande demais para fracassar?
Roubini: Se eu tiver que pensar em quais são os parâmetros que definem uma instituição sistemicamente importante, certamente o tamanho dos ativos e das dívidas como parcela do sistema financeiro e do produto interno bruto é um fator relevante. Certamente a quantidade de alavancagem e de dívidas dentro e fora do balanço geral é importante. E também é importante determinar até que ponto uma determinada instituição faz parte do sistema de compensasões e pagamentos. No fim das contas, não é muito difícil determinar quais são essas instituições.
Spiegel: O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, implementou planos para uma reforma financeira, incluindo a chamada regra Volcker e outras regulamentações para limitar o tamanho dos bancos. Seria necessária uma regulamentação mais drástica?
Roubini: Esse é um bom começo, mas o meu pensamento inclina-se para uma direção mais radical. O modelo financeiro de supermercado obviamente não funcionou. Uma instituição na qual se tem, em um único bloco, banco comercial, banco de investimentos, fundos de hedge, seguros e vários outros serviços financeiros torna-se muito complexa para ser administrada. Nenhum diretor executivo é capaz de monitorar efetivamente algo como isso. Assim, tudo isso precisa ser fragmentado em pedaços. Se tivermos muitas instituições diferentes encarregadas de tipos diferentes de serviços financeiros, nenhuma delas será sistemicamente importante.
Spiegel: Há quase cem anos, o governo dos Estados Unidos fragmentou a Standard Oil – e o mundo acabou ficando com pedaços que se tornaram maiores do que o bloco original.
Roubini: O que eu estou propondo são restrições, como a lei Glass-Steagall, ao sistema bancário comercial e de investimentos, regulamentações que já existiam até cerca de dez anos atrás. Elas funcionaram bem.
Spiegel: Que reformas financeiras adicionais você considera indispensáveis?
Roubini: Os mercados de derivativos precisam tornar-se mais transparentes, e a securitização tem que ser regulamentada de maneira mais estrita. As instituições financeiras precisam modificar os seus sistemas de compensação de uma maneira que elas não percam de vista os interesses de longo prazo. E as agências de classificação de risco precisam ser obrigadas a modificar o seu modelo empresarial, de maneira que os conflitos de interesses não sejam mais um problema.
Spiegel: Infelizmente, atualmente parece utópico aplicar todas essas reformas amplas.
Roubini: Eu não espero que as minhas ideias sejam implementadas durante esta crise. Nós talvez tenhamos que esperar pela próxima crise, até que propostas mais radicais sejam cogitadas. O meu temor é que se nós não criarmos um sistema no qual essas crises ocorram com menos frequência, a reação que temos presenciado recentemente contra as economias orientadas pelo mercado, contra as reformas, contra a globalização, contra o livre comércio, possa tornar-se mais intensa da próxima vez. A lição é que, se houver uma outra crise, ela será ainda mais virulenta do que a última, causará ainda mais estragos e será mais cara, não importa sob que ótica ela seja avaliada: renda, empregos, riqueza, custos fiscais. Nós simplesmente não podemos suportar tal coisa.
Spiegel: As suas propostas de reforma são derivadas da crise atual. Elas teriam resultado também no sentido de evitar qualquer tipo de crise financeira futura?
Roubini: Nós não podemos fazer com que as crises desapareçam inteiramente. Mas se pudéssemos torná-las menos frequentes, menos virulentas, isso já seria um sucesso.
Nouriel Roubini é considerado o profeta da crise financeira. Quatro anos atrás, ele foi um dos primeiros a alertar que os bancos e as economias nacionais poderiam se ver em apuros. Roubini, 52, nasceu em Istambul, em uma família judaico-iraniana, e foi criado no Irã, em Israel e na Itália. Desde 1995, ele é professor de economia da Universidade de Nova York. Além disso, ele opera uma empresa de consultoria que tem 80 funcionários, e que faz análises financeiras para clientes da indústria de finanças.
Nota do editor: Essa entrevista foi feita antes que a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional tivessem concordado em criar um pacote de 750 bilhões de euros (R$ 1,7 trilhão) para proteger o euro nas primeiras horas da manhã da segunda-feira.
Tradução/FONTE: UOL
MAIS DO MESMO- Geral Celent também é Profeta de Crises:
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